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Cascas e Ossos (crônica)

[Essa crônica foi escrita por mim em 11/08/2017 no blog https://medium.com/@gullveigaheidr, e resolvi transcrever aqui alguns textos com temática feminina para reunir tudo num mesmo endereço. O texto é de autoria própria, portanto por favor respeite os direitos autorais]

Estava sozinha e com frio, vagando na escuridão de um vasto campo verde musgo coberto de ossos e galhos secos. Não via muita coisa além da minha sombra e dos pássaros que me acompanhavam. Nuvens derretidas em lilás desviavam minha atenção do caminho.

Ela chegou até mim segurando um estranho bastão coroado por um crânio, em seu pescoço portava uma guirlanda sangrenta de cabeças humanas. Na sua cintura uma pele de tigre envolvia sua pele negra de brilho azulado. Seu rosto era assustador. Olhos profundos e vermelhos me fitavam, sua língua brotava para fora de sua boca como uma serpente terrível, manchada de sangue.

Vinha em minha direção entoando rugidos, dando passos firmes numa dança furiosa, avassaladora.

“Porque você ainda está aí? Porque não destruiu tudo e tomou de volta o que te pertence?”

Insegura, hesitei. Em sua voz grave e poderosa ouvi ecos de animais ferozes, que faziam tremer todas as estruturas.

“Eu ainda não encontrei o tal baú. O mestre não me deu a chave”

Ela riu.

“E desde quando bruxas precisam de mestres? Rápido menina, desça pelo elevador a esquerda e cruze 3 esquinas que tu encontrarás o que procura”

Ela estava certa afinal, nós não precisávamos de mestres. Os mestres não estavam lá quando celebrávamos o sangue da vida, quando manipulávamos os nascimentos, quando prevíamos as chuvas e a chegada da morte. Eles não nos ensinaram a sabedoria das ervas que curam , não nos ensinaram a parir e a ter visões. Não nos iniciaram nos mistérios da morte e dos sonhos, do lado oculto e sombrio.

Quando foi que eles roubaram nosso lugar para depois vender nossa sabedoria as nossas netas? Quando foi que, nuas, passamos de belas e fortes dançarinas da Terra à objetos de consumo? Quando nossa carne foi a leilão e nosso espírito ao purgatório?

Quando foi que deixamos de ser as donas e nos tornamos as servas?

“Você está cada hora com um diferente, não é?” — disse-lhe o mestre.

Dogmas, leis, estruturas, hierarquias. Obedeça, cale-se, ajoelhe-se. Você não é o que pensa ser! Você não pode chegar aos céus sozinha! Suja, impura, pecadora, prostituta, venenosa! Rasteje-se diante de mim!

Então encontrei o meu lugar junto as serpentes. Cascas de antigas peles por todos os lados, escuridão e umidade, olhos azuis brilhando como faróis iluminados. Depois de um longo período, já renovadas, desenrolavam-se umas das outras para subir à terra e retornarem à vida, mais sábias e fortes.

“Você encontrou “ — disse ela, negra azulada. “Agora use suas presas com sabedoria.”

Adrianna Perez.

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